Como parar de fumar?

Por que é tão difícil parar de fumar? É quase senso comum que fumar é prejudicial a saúde, porém, mesmo com todas as propagandas negativas, milhões de pessoas no mundo continuam fumando.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) cerca de 8 milhões de pessoas morrem todo ano devido a tabagismo, sendo que dessas, 1,3 milhões são devido ao tabagismo passivo. O tabagismo é responsável por 71% das mortes por câncer de pulmão e 42% das doenças respiratórias crônicas, dentre elas a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC). Além disso, é responsável pelo desenvolvimento de outras neoplasias, como laringe, esôfago, estômago, intestino, fígado, pâncreas, bexiga, rim, entre outros. De acordo com a OMS, em 2020 a principal causa de morte no mundo eram as doenças cardiovasculares com 9,4 milhões de mortes no ano, sendo que 18% dessas são responsáveis pelo cigarro.

Assim, muitas pessoas entendem os malefícios do tabagismo e desejam parar de fumar, porém, não sabem como fazer. A dificuldade em parar de fumar está no fato que tabagismo é uma doença crônica relacionada com a dependência química da nicotina e emocional do hábito de fumar.

Como ocorre a dependência do tabagismo?

            A dependência ocorre em três níveis: físico, comportamental e emocional.

Físico:

            A principal substância relacionada com a dependência química e com os riscos de agravamento a saúde é a nicotina. Ao tragar o cigarro a fumaça atinge nossos alvéolos, a nicotina atravessa a membrana alvéolo-capilar e entra na corrente sanguínea percorrendo todo o corpo. Porém, é no sistema nervoso central que irá causar a dependência química. Em média, com apenas 14 segundos após ser inalada, ela atinge milhões de neurônios no nosso cérebro se ligando receptores de acetilcolina que irão estimular esses neurônios a liberarem dopamina. A dopamina então, será responsável por ativar o sistema de recompensa no nosso cérebro, trazendo as sensações de bem estar, bom humor, atenção aguçada, entre outras.

            A concentração no cérebro de nicotina cai após 20 a 30 minutos, reduzindo seu efeito. E essa ação quase que imediata da ação seguida de um efeito passageiro que faz o paciente procure repetidamente o estímulo, buscando as boas sensações obtidas. Após repetidas tragadas e estímulos durante o dia, a nicotina consegue se acumular por 6 a 8 horas, o que permite que o paciente consiga dormir a noite.

Porém, com o uso crônico, o nosso organismo começa a criar mecanismos adaptativos em que reduz a concentração dos receptores que a nicotina irá atuar. Isso faz com que o paciente precise de doses maiores de nicotina para poder obter o mesmo efeito antes obtido com menos cigarros. Assim, ele vai fumar progressivamente em maior quantidade, gerando um ciclo vicioso que faz com que os pacientes fumem 3 a 4 maços de cigarro por dia. Nessas situações, o paciente já não consegue mais dormir a noite toda, precisando fumar na madrugada, fumar durante o banho e evitar fazer viagens longas, porque não consegue ficar muito tempo sem fumar.

Comportamental:

            Em média, uma pessoa fuma um cigarro com 10 tragadas. Uma pessoa que fuma 2 maços por dia, são 40 cigarros, ou seja 400 tragadas. Isso significa fazer esse movimento de levar o cigarro a boca 144 mil vezes ao ano, 12 mil vezes por mês, o que é um movimento de fumar a cada 2,4 minutos. Uma pessoa que fuma 4 maços por dia faz isso a cada 1,2 minutos.

            Esse movimento repetido é mais um mecanismo de dependência. Além de ter que lidar com a dependência química da falta de nicotina no cérebro, o indivíduo sente falta de levar algo a boca tantas vezes por dia. Isso faz com que os pacientes voltem a fumar ou, troquem por outros hábitos que podem não ser tão saudáveis, como comer. A necessidade de levar algo a boca constantemente se for trocada por uma comida não saudável pode ser eficaz em parar de fumar, mas pode levar ao ganho de peso indesejado.

            Esse comportamento ainda é agravado pelos gatilhos que levam a pessoa a fumar. Esses gatilhos podem ser situações comuns no hábito da pessoa, como por exemplo o cafezinho. Após o cafezinho vem o cigarro. Então, durante a tentativa de parar de fumar é importante atuar nessas duas frentes, no hábito de levar algo a boca e nas situações associadas com vontade de fumar.

Psicológico:

            O cigarro vira um melhor amigo do paciente. Ao fumar o paciente experimenta sensações prazerosas geradas pelo nosso sistema de recompensa e isso faz o paciente recorrer ao cigarro em situações negativas e positivas.

            Nos dias tristes, de tédio ou ao receber uma notícia ruim, seja no trabalho ou no âmbito social, o cigarro serve como um alívio. A sensação prazerosa é uma ferramenta que ele recorre para ajudar ele naquela situação de estresse, de difícil manejo.

            Por outro lado, ao ser promovido, receber um elogio, conquistar uma meta, as mesmas sensações prazerosas servem agora como motivo de celebração, alegria, liberdade.

            Assim, o paciente está com uma dependência química, comportamental e psicológica que o dificulta a parar de fumar. Atuar em apenas uma ou duas dessas frentes no processo de parar de fumar reduzirá a chance de sucesso.

Como saber se eu tenho dependência?

            Para avaliação de dependência é importante avaliar diversas características que se correlacionam com os três níveis de dependência. Isso é realizado através de uma consulta, conversando com o paciente, porém, existe um questionário formulado para ajudar nesse diagnóstico. Se o paciente responder sim para pelo menos 3 desses itens, se configura dependência ao cigarro.

  • Forte desejo ou compulsão para consumir cigarro
  • Dificuldade de controlar o uso em termos de início, término ou nível de consumo
  • Estado de abstinência diante da suspensão ou redução
  • Necessidade de doses maiores, mostrando tolerância
  • Abandono progressivo de outros prazeres ou interesses e aumento de tempo para uso e/ou se recuperar dos efeitos
  • Persistência no uso apesar de saber ou sentir as consequências

Esses tópicos servem para o diagnóstico de dependência. Quando vamos programar uma estratégia para parar de fumar, precisamos avaliar o grau de dependência. Isso se faz através do Teste de Fagerstrõm.

Nesse teste se faz 6 perguntas e cada resposta recebe uma pontuação. O somatório das respostas pode ir de 0 a 10, sendo que a partir de 4 pontos é considerada um grau importante de dependência e, a partir de 6 pontos existe uma maior chance de desenvolver síndrome de abstinência ao parar de fumar.

Teste de Fagerstrõm. Avaliação de dependência do tabagismo, importante avaliação para parar de fumar.

Além do grau de dependência, alguns fatores contribuem para a falha em conseguir parar de fumar. Entre eles, o consumo de bebida alcoólica e comorbidades psiquiátricas são os mais importantes. Além disso, a falta de atividade física é um fator contribuinte.

Qual a melhor forma de parar de fumar?

            A melhor forma de parar de fumar é atuando nos três níveis de dependência. Necessário uma abordagem psicológica, uma abordagem comportamental e uma estratégia para lidar com a abstinência de nicotina. Isso tudo é estruturado em um programa específico.

            A recomendação é que sejam feitas 4 consultas no primeiro mês, uma por semana com objetivos específicos em cada uma.

            Na primeira consulta o pneumologista irá avaliar os hábitos de fumar que o paciente possui, seu grau de dependência e os principais gatilhos que o levam a fumar. Depois é explicada as principais estratégias possíveis de serem traçadas. Com isso, o paciente irá para casa pensar nos gatilhos que o levam a fumar, escolher uma data que irá parar de fumar e qual das estratégias ele acha mais vantajoso para ele.

            Na segunda consulta, o paciente irá trazer a data de parar de fumar e qual estratégia ele optou. Com isso, o pneumologista irá explicar o que deve ser feito e realizar as prescrições de remédios e/ou terapias de reposição de nicotina, quando indicados. Além disso, o paciente vai entender quais são os sintomas de abstinência, quanto tempo eles duram e como lidar com isso.

            Na terceira consulta o paciente já estará alguns dias sem fumar e isso é trazido para pauta. Importante conversar sobre quais foram os obstáculos e, principalmente, ressaltar os benefícios que já são percebidos nesses primeiros dias.

            Na quarta consulta do mês o foco é para a prevenção de recaídas. Conversar mais uma vez sobre as dificuldades encontradas e como evitar situações de risco. Nesse momento o paciente estará sentindo benefícios da cessação e ele deve se apoiar nisso para seguir sem fumar.

É possível parar de fumar de uma vez?

            Sim, na primeira consulta é explicado duas formas de parar de fumar. A primeira é a chamada abrupta. Ou seja, é escolhida uma data em que o paciente irá parar de fumar e de um dia pro outro ele não fuma mais.

            A segunda estratégia é chamada de gradual. Nessa, podem ser feitas de duas formas. É escolhida uma data de parar de fumar e, na semana anterior podem ser reduzido o número de cigarros ou aumentar o intervalo entre eles, por exemplo:

  • Se o paciente fuma 20 cigarros por dia, na semana anterior ele vai reduzir 3 cigarros a cada dia, até a data de parar de fumar.
  • No aumento de intervalo, ele não precisa reduzir a quantidade, mas ele vai adiar em 1 ou 2 horas o primeiro cigarro do dia a cada dia.

Claro que isso será feito com todo suporte psicológico e com os remédios necessários para cada pessoa. Tudo isso, discutido na primeira consulta.

O que acontece quando a pessoa para de fumar?

            Existem diversos benefícios ao parar de fumar. Nos primeiros dias já é possível sentir mais energia para fazer as atividades. O paladar e o olfato da pessoa voltam ao normal, tendo maior prazer em fazer as refeições. Sintomas como tosse e falta de ar melhoram gradualmente.

            Existem benefícios indiretos ao parar de fumar, como por exemplo aumento da autoestima ao sentir orgulho de ter conseguido vencer essa batalha. A pessoa pode se tornar mais assertiva no seu dia a dia. Pelo aumento de energia e respiração melhor, pode voltar a fazer atividades que antes não conseguia realizar ou até descobrir novos interesses. Além disso, uma pessoa que fuma 2 a 3 maços de cigarro por dia, irá economizar cerca de R$ 600 a 800 reais por mês.

            Outros benefícios são que a cessação do tabagismo reduz o risco de câncer em diversos órgãos do corpo, reduz a chance de ter infarto, acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência cardíaca, fibrose pulmonar, enfisema, diabetes, osteoporose, infertilidade, disfunção erétil, úlcera no estômago, entre diversas outras doenças.

            Mesmo com os inúmeros benefícios, alguns pacientes podem apresentar sintomas de abstinência.

O que é a crise de abstinência?

            A crise de abstinência são sintomas que algumas pessoas experimentam ao parar de fumar. Esses sintomas são relacionados com a dependência física da nicotina. Importante frisar que não são todas as pessoas que irão apresentar algum mal estar ao parar de fumar e que esses sintomas são decorrentes do corpo se reestabelecendo e retornando ao estado saudável anterior ao cigarro.

Quais são os piores dias depois de parar de fumar?

            Para as pessoas que apresentam os sintomas de abstinência, esses aparecem nas primeiras 24 a 72 horas após parar de fumar. Esses três primeiros dias costumam ser os mais difíceis.

Quanto tempo dura uma crise de abstinência?

            A crise de abstinência tem início e fim. É importante saber isso para ajudar o paciente a passar por esse período de maior dificuldade. Os sintomas começam nas primeiras 24 horas, após alguns dias os sintomas melhoram muito, sendo que na maioria das pessoas eles acabam em duas semanas. Algumas pessoas com maior grau de dependência podem experimentar os sintomas por mais tempo, mas mesmo assim, costumam acabar após a quarta semana.

            Por esse motivo que no primeiro mês é importante uma consulta por semana. Para que o médico possa estar próximo do paciente no período de maior dificuldade e ajudar com estratégias e medicamentos para reduzir os sintomas de abstinência.

Quais são os principais sintomas de abstinência?

            Muitos sentem uma sensação de formigamento nas pernas e braços após parar de fumar. A nicotina promove vasoconstrição, reduzindo o aporte de sangue para os tecidos. Quando o paciente para de fumar ocorre uma melhora na circulação que é percebida nas extremidades pelo formigamento. Essa sensação desaparecerá.

            Alguns sentem peso na cabeça, tontura ou dificuldade de concentração. Ao inalar fumaça, o paciente inala monóxido de carbono que se liga na hemoglobina e reduz a liberação de oxigênio para os tecidos. Quando para de fumar o cérebro passa a receber mais oxigênio do que está acostumado, podendo levar a esses sintomas. Após uma ou duas semanas o cérebro se torna capaz de funcionar com o suprimento normal de oxigênio.

            A tosse pode até aumentar nos primeiros dias após parar de fumar. Nós temos cílios na nossa via aérea que é responsável por eliminar sujeiras que ficam presos ali. Ao fumar, esses cílios param de funcionar e isso que faz o fumante ter um pigarro constante. Ao parar de fumar os cílios voltam a sua função, eliminando as sujeiras acumuladas na via aérea, piorando inicialmente a tosse. Após algumas semanas a tosse melhora significativamente.

            Um dos sintomas mais presentes e mais incômodos do fumante ao parar de fumar é a chamada fissura. A fissura é uma vontade intensa e súbita de acender um cigarro. Se não manejada, pode ser um fator de recaída.

O que fazer na hora da fissura?

            O principal ponto a entender para superar a fissura é que ela é uma vontade intensa, porém que tem duração de poucos segundos, desaparecendo por completo em 5 minutos. Por esse motivo, a melhor estratégia para superar a fissura é ignorá-la. Parece ser mais fácil falar do que fazer, mas a ideia é distrair sua mente durante esses poucos minutos até que você não sinta mais essa vontade. Quatro procedimentos práticos são:

  • Beber muita água. Ao sentir a fissura, pegue um copo de água e beba inteiro.
  • Carregar, sempre que possível, alimentos de baixa caloria, como pedacinhos de vegetais crus (cenoura, aipo) e balas ou chicletes dietéticos.
  • Fazer exercícios físicos. Pode ser uma caminhada curta ou um agachamento
  • Exercícios de respiração. Existem algumas técnicas de respiração que ajudam a passar esse tempo da fissura

Tem remédio para parar de fumar?

            O objetivo dos medicamentos para parar defumar é auxiliar o paciente e reduzir os sintomas de abstinência. Não existe remédio que faz a pessoa parar de fumar. Por esse motivo que é essencial que o paciente deseje parar de fumar para que, assim, o pneumologista possa prescrever medicamento, quando indicado, para ajudar no período de abstinência.

            Atualmente temos disponíveis duas classes disponíveis. As terapias de reposição de nicotina e a Bupropiona.

 Terapia de reposição de nicotina:

            No Brasil existem duas classes. A de longa duração e a de curta duração.

            O adesivo transdérmico é de longa duração, colocado uma vez por dia após o banho e trocado no dia seguinte. A função é manter níveis de nicotina contínuos no sangue e ir baixando a dose do adesivo a cada 4 semanas para fazer um desmame gradual da nicotina, reduzindo os sintomas de abstinência.

            A goma de mascar e a pastilha são de curta duração e fazem um pico de concentração no sangue.

            A terapia de reposição de nicotina pode ser feita isolada com adesivo ou com a goma de mascar ou de forma combinada. Se não houver contraindicações a terapia combinada costuma ser a primeira escolha. A estratégia é de manter um nível contínuo de nicotina através do adesivo e, nos momentos de fissura, o paciente masca a goma ou coloca a pastilha. Isso faz com que exista um pico de nicotina no momento de fissura para ajudar o paciente a passar por aquele momento.

            Importante ressaltar que as terapias de reposição devem ser iniciadas no dia que o paciente escolheu parar de fumar. Não se deve usar enquanto o paciente está fumando ou para ajudar a reduzir a quantidade de cigarros. Além disso, existem 3 doses de adesivo, de 21mg, 14mg e 7mg. A dose que irá ser iniciada depende da quantidade de cigarros que o paciente fuma por dia.

Bupropiona:

            A bupropiona é um remédio inicialmente desenvolvido como antidepressivo, porém, com propriedades que se mostraram eficazes no processo de parar de fumar. Ela é um inibidor da recaptação da dopamina e antagonista dos receptores de nicotina. Assim, ela irá liberar mais dopamina no sistema nervoso central, reduzindo os sintomas de abstinência.

            Importante ressaltar que a bupropiona possui contraindicações importantes como epilepsia, convulsão febril na infância, gravidez, amamentação, entre outras. Então, seu uso deve ser avaliado com criteriosidade.

            Pode ser usada isoladamente ou em combinação com alguma terapia de reposição de nicotina. A melhor estratégia medicamentosa deve ser avaliada em cada caso e de forma conjunta com o paciente.

Conclusão:

            Parar de fumar é um desafio, porém que traz inúmeros benefícios de curto, médio e longo prazo. A taxa de falha e recaída é elevada, principalmente se tentativa for feita sem ajuda de um especialista. O tratamento conjunto com suporte psicológico e medicamentoso, quando indicado, aumenta muito a taxa de sucesso e o tempo que o paciente permanece sem fumar.

Dr. Marcos Bethlem

Dr. Marcos Bethlem

Médico especialista em pneumologia.
CRM: 52.109711-3
RQE: 47530

Fibrose pulmonar
Blog

O que é Fibrose Pulmonar?

Fibrose pulmonar é uma condição crônica caracterizada pela formação de cicatrizes no pulmão. O pulmão é um órgão elástico que constantemente se expande para entrar

Ler completo >>
Asma é uma doença inflamatória das vias aéreas. Sozinho, o Aerolin não trata asma por não atuar na inflamação.
Blog

Aerolin não trata asma

Uma situação comum nos consultórios de pneumologia são os pacientes com asma que inicialmente estavam com sintomas controlados, mas após uma infecção viral, uma viagem,

Ler completo >>

Agende consultas com o Dr. Marcos Bethlem de forma simples e prática através do Doctoralia

Marcos Bethlem - Doctoralia.com.br